Muita gente pensa que apenas uma "ideia genial" é suficiente para se tornar o próximo empreendedor de sucesso, com um produto inovador e revolucionário.
Geralmente, essa ideia brilhante surge como um novo aplicativo, uma inédita rede social, ou uma plataforma inovadora.
É ainda melhor quando, após uma rápida busca no Google, descobrimos que nossa ideia é de fato única - ninguém pensou nela antes.
Depois de alguns meses desenvolvendo o produto, tendo mantido nossa grande ideia sob sigilo absoluto, organizamos um grande evento de lançamento revelamos nosso projeto ao mundo.
Nosso produto está finalmente no mercado, pronto para vender, e nós estamos prontos para começar a ganhar dinheiro...
... ou não.
A startup de tecnologia alimentar Juicero arrecadou cerca de 120 milhões de dólares em investimentos para desenvolver uma prensa de suco conectada à internet.
Com a prensa, que funcionava com cápsulas de frutas e vegetais vendidas por assinatura, a empresa se propôs a criar um sistema fácil e conveniente para os consumidores fazerem sucos frescos em casa.
Qual a ideia genial? Uma máquina de sucos em cápsula.
Ninguém estaria louco em imaginar que, depois das máquinas de café em cápsula, como a Nespresso, essa seria a próxima grande tendência.
O problema era que o produto da Juicero, que chegou a custar 700 dólares, no final das contas, não passava de um liquidificador caro para espremer pacotes de suco.
Infelizmente (para a Juicero), o mercado não viu valor suficiente no produto e a empresa fechou em 2017.
Lançado em 2001, acompanhado de uma cobertura midiática de proporções estratosféricas, o veículo de duas rodas foi aclamado como uma revolução no transporte pessoal.
Qual a ideia genial? Uma máquina revolucionária de transporte, um patinete elétrico, um skate de duas rodas...
Ninguém sabe ao certo exatamente qual era o objetivo da Segway, mas independente disso e no final das contas, caminhar era mais fácil.
Com um produto caro que nunca conseguiu atingir um mercado em massa (fora seguranças de shopping), a empresa foi vendida várias vezes e, eventualmente, encerrou a produção do veículo Segway original em 2020.
A Quibi foi uma plataforma de streaming de vídeo que arrecadou quase 2 bilhões de dólares em financiamento.
Ao contrário das outras grandes plataformas (Netflix, Amazon, etc.) a ideia da Quibi era oferecer conteúdo de entreterimento produzido para ser consumido em smartphones, no formato vertical.
Para o primeiro ano do serviço, foram projetados 175 programas originais, uma seleção diversificada que incluía filmes, reality shows e documentários.
Essas produções contavam até mesmo com a presença de grandes estrelas, como o produtor Steven Spielberg.
Qual a ideia genial? Um streaming de conteúdo na vertical para celular.
Mas no final das contas, as pessoas preferiram continuar assistindo filmes, séries e documentários na tela da TV, enquanto que na tela do celular, somente vídeos curtos do Instagram e TikTok.
Tendo falhado em atrair um número significativo de usuários, a empresa fechou as portas menos de um ano após o lançamento.
Paul Graham, diretor da Y-Combinator, uma das mais prestigiadas aceleradoras de startups (Dropbox, Airbnb, Uber, Stripe...) do mundo, disse uma vez em uma palestra:
"Quando pensamos em um novo produto, boas ideias costumam parecer péssimas ideias, enquanto péssimas ideias costumam parecer boas ideias."
Essa é uma das coisas que empresas como Juicero, Segway e Quibi tinham em comum: todas elas pareciam grandes ideias de início, mas acabaram se mostrando péssimas ideias no final.
Além disso, nenhuma delas tinha product-market fit.
A ausência de product-market fit é, singularmente, a razão que mais leva novas startups a fecharem as portas - e significa, basicamente, que a empresa criou um produto que ninguém quis comprar.
Muitas vezes, novos empreendedores se tornam vítimas da ilusão de estarem diante de uma grande ideia, pelo simples fato de que a ideia parece boa para eles.
No entanto, se a ideia não for boa também para um grupo significativo de pessoas, o produto não terá encaixe a nenhum mercado e a empresa jamais terá clientes suficientes para continuar viva.
Se não através de uma ideia, por onde exatamente se começa o desenvolvimento de um produto que as pessoas (realmente) queiram comprar?
Conforme os exemplos que veremos ao longo deste artigo, poderemos observar que os melhores produtos, das melhores empresas, nascem e se desenvolvem a partir de um grande problema.
Ou melhor dizendo, a partir de uma grande dor.
Somente diante de uma grande dor que podemos ter a certeza de que vamos desenvolver uma solução para algo que, de fato, precisa ser solucionado.
Mas não basta somente que estejamos diante de uma grande dor: é necessário também que essa dor seja compartilhada por um número significativo de pessoas.
Pois se não existem pessoas suficientes com essa grande dor, não teremos clientes suficientes para comprar o nosso produto.
Além disso, é necessário também que essa grande dor, compartilhada por um número significativo de pessoas, seja forte ao ponto que as pessoas estejam dispostas a pagar para que ela seja resolvida.
A Better Place, uma empresa de veículos elétricos fundada em 2007 por Shai Agassi, um ex-executivo da SAP, tinha uma visão visionária de substituir os carros movidos a combustíveis fósseis por veículos elétricos.
O plano da empresa não se concentrava apenas na venda de veículos elétricos, mas também na construção de uma extensa rede de estações de troca de bateria.
No entanto, apesar de arrecadar quase 1 bilhão dólares em financiamento, a Better Place acabou decretando falência em 2013.
Com certeza a dor de não ter onde abastecer (ou recarregar) o seu carro era real e comum aos donos de carros elétricos da época
Sem dúvidas, era também uma dor forte o bastante de forma que essas pessoas estivessem dispostas a pagar pelas soluções da Better Place.
No entanto, em 2007 ainda não existia tanta assim, dirigindo um carro elétrico, e o crescimento desse mercado foi muito menor do que o esperado pela empresa.
Desde muito tempo, milhões de passageiros da aviação comercial ao redor do mundo sofrem com uma dor comum: o desconforto e a demora de longas viagens aéreas.
Qualquer um que já viajou na classe econômica em um vôo internacional de 12 horas conhece o tamanho dessa dor, e sabe o quanto ela é real.
Diante disso, em meados de 1969, fruto de uma parceria entre a França e Reino Unido, voou pela primeira vez o Concorde, também conhecido como o avião mais rápido do mundo.
O Concorde era um avião supersônico capaz de voar a uma velocidade máxima de cerca de 2.180 km/h, mais do que o dobro da velocidade dos jatos comerciais convencionais, e portanto, conseguia reduzir pela metade o tempo de qualquer viagem.
No entanto, com um consumo de combustível elevado e um baixo número de passageiros que o avião podia transportar, o Concorde tinha um grande problema: suas passagens aéreas eram extremamente caras.
A aeronave foi aposentada em 2003, quando as companhias aéreas aprenderam que, melhor do que investir em deixar suas viagens mais rápidas, era investir em deixar suas viagens mais confortáveis.
No final das contas, as pessoas não estavam dispostas a pagar mais caro para chegar mais rápido em seus destinos, o que significa que a dor de uma viagem longa não era tão forte assim.
A questão sempre foi sobre o desconforto da viagem em si, e não sobre o quanto ela era longa.
A prova disso é o fato de que até hoje os passageiros pagam mais caro por uma viagem mais confortável na classe executiva - mas não pagaram mais caro por uma viagem mais rápida com o Concorde.
* Curiosamente, depois do Concorde e até os dias de hoje, o tempo médio das viagens de avião nunca diminuiu - tendo inclusive ficado ainda maior.
O Airbnb, um dos gigantes globais do setor de compartilhamento de acomodações, começou de uma maneira bem simples e quase acidental no ano de 2007, em São Francisco, nos Estados Unidos.
Na época, acontecia uma conferência anual de design na cidade, que fazia esgotar praticamente 100% de todos os quartos de hotel disponíveis.
Diante disso, Brian Chesky e Joe Gebbia, que haviam se mudado recentemente para São Francisco, tiveram a ideia de alugar um espaço em seu apartamento, como forma de ganhar um dinheiro extra.
Eles compraram três colchões de ar (airbeds, em inglês) e criaram um site chamado "AirBed and Breakfast" para anunciar seu espaço, e acabaram hospedando três pessoas que estavam na cidade para a conferência.
A experiência fez com que eles percebessem que havia uma demanda real para essa ideia de compartilhamento de acomodações, e junto ao engenheiro Nathan Blecharczyk, os 3 fundadores lançaram oficialmente a empresa em 2018.
Ao invés de lançar um produto a partir de uma ideia pré-definida, os fundadores do Airbnb começaram a empresa depois de entenderem que existia uma dor comum a um grande número de pessoas, que estavam dispostas a pagar para que ela fosse resolvida.
Hoje, o AirBnb é uma empresa avaliada em mais de 80 bilhões de dólares.
A Uber, uma das principais empresas de aplicativo de viagens do mundo, foi fundada em 2009 por Garrett Camp e Travis Kalanick.
A ideia para o Uber surgiu depois que Camp e Kalanick tiveram dificuldades para conseguir um táxi em uma noite fria de inverno em Paris no final de 2008.
Foi a partir da dor de não conseguir um táxi quando mais precisavam que começaram a imaginar um serviço que permitiria a eles solicitar uma carona pelo toque de um botão no smartphone.
Eles perceberam que, assim como eles, a grande maioria das pessoas estaria disposta a pagar por uma solução de mobilidade quando não houvesse nenhum táxi disponível na área.
Mais tarde, entenderam também que a viagem de táxi, mesmo quando facilmente encontrada, ainda era desconfortável e, de certo modo, dolorosa.
Por essa razão, as pessoas continuariam dispostas a pagar por um Uber mesmo quando houvessem táxis disponíveis, pelo simples fato de que a Uber oferecia uma experiência melhor.
Conforme visto até agora, para criar um novo produto, são necessárias 3 coisas diferentes:
Com isso, teremos a garantia de que o produto será desejado, pois ele vai resolver uma dor que realmente existe e precisa ser solucionada.
Também teremos a garantia de que o produto será comprado, pois quem tem essa dor está disposto a pagar para que ela seja resolvida.
Por fim, teremos a garantia de que o produto será lucrativo, pois existem pessoas suficientes com essa dor dispostas a pagar por uma solução.